sexta-feira, julho 07, 2017

Descentralização, um caminho para o fim das convulsões

Resultado de imagem para Carlos MachiliMilitante ferrenho e antigo membro do Comité Central da Frelimo, Carlos Machile .Guebuzista assumido (foi pela mão do antigo Presidente da República Armando Guebuza, enquanto secretário geral da Frelimo, que foi membro do Comité Central de 2002 a 2006), Machile não duvida que a Frelimo está infiltrada e que o grande opositor do partido não é Afonso Dhlakama, mas sim os próprios camaradas. Produto da escola eclesiástica europeia, o antigo reitor da Universidade Pedagógica, diz que há pessoas que não querem ouvir falar-se sobre a descentralização, mas, mesmo sem citar nomes, avisa que, enquanto houver um grupo tão conservador que pensa que o poder em Moçambique funciona nos actuais moldes, só porque lhes beneficia. A qualidade do ensino superior em Moçambique foi o mote para a entrevista com o antigo colega de carteira de figuras como o padre Filipe Couto e o falecido bispo emérito Dom Jaime Gonçalves. Professor de carreira e um dos precursores do Sistema Nacional de Educação, Machile, 77 anos, natural do Niassa, é defensor acérrimo de um ensino virado para a quantidade porque, diz ele, é na quantidade onde se encontra a qualidade.

Professor, como é que olha para o actual estágio do ensino superior em Moçambique?
Imagem relacionadaEsta é uma das conquistas reais dos moçambicanos. O grande problema que tivemos, desde 1975, é o acesso. Infelizmente, em 1993 comete-se uma grande asneira: introduz-se o exame de admissão porque não havia capacidade de atender o fluxo no ensino superior. Mas não é por causa da qualidade. Eu sou marxista nisso: a qualidade só se obtém na quantidade. Onde não há quantidade, não há qualidade, segundo Karl Marx. Portanto, em 1993, em vez de estudar como manter o acesso, fizemos a limitação pelo exame de admissão e em 2004 faz-se a Lei do Ensino Superior que integra o exame de admissão. Em 1995 cria-se a Lei para a criação de universidades privadas e começámos a trazer muitas universidades parceiras que fazem o business do ensino superior. Crescemos rapidamente e é muito positivo, mas o projecto inicial da Frelimo, que é levar a Universidade ao distrito, foi lento. Começamos a fazer dificuldades de expansão, mas se expandirmos a Universidade e eliminarmos o exame de admissão e dissermos que cada pai que quiser pague um pouco mais, as universidades terão recursos e podem expandir-se. Mesmo uma mãe que vende numa esquina qualquer, pode pagar a universidade para seu filho.
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O facto de o ensino superior se ter transformado em business não atenta contra a qualidade de ensino?
Não atenta, não. O ensino, a educação, é um business que tem de meter dinheiro para manter o nível e a qualidade de vida do pesquisador e do professor.
Mas essa perspectiva comercial não põe em causa a qualidade mesmo?
Não, senhores. E volto a Marx: a qualidade está na quantidade. Eu chamo muitos daqueles que defendem a qualidade em todas as esquinas, de ruminantes da qualidade. Você não vai discutir qualidade, neste país, sem quantidade. Onde não há expansão territorial e quantidade, não há um bom indicador de qualidade. Meta todos, altere a mente. Vamos aplicar o conceito de Max Weber, o sociólogo que diz que “ai de nós se na educação, pensarmos mais no professor do que no aluno”. A expansão da educação e do ensino superior em Moçambique está atrasada com o ritmo das necessidades.
Mas Professor…
Resultado de imagem para Carlos MachiliDeixem-me falar. Nós temos escolas secundárias em todos os distritos deste país. Com o exame de admissão, quantos ficam de fora cada ano? É justo isso? Ou é para fazer uma rasteira à Frelimo. A nova geração que quer entrar na universidade não entra. A UP tem 60 mil candidatos, a UEM 30 mil candidatos e só têm capacidade para 5 mil em cada ano. Então, para si vale a pena ter muitos incompetentes ao invés de poucos competentes? Não são incompetentes. É como os forma. Formas para vida ou para o quê? Mas será que estamos a formar para a vida? Essa é outra coisa. Vamos discutir isso, que é a relevância da qualidade e do programa de ensino, mas não vamos fugir do problema do direito fundamental do moçambicano à educação. Não se pode fugir deste problema falando da qualidade. 
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Questione-se o conteúdo programático. E na sua opinião o conteúdo que se dá nas nossas universidades prepara o Homem para os desafios que se lhe colocam no nosso contexto? Não o suficiente que queremos porque o mundo está rápido. A questão é: quantos filhos de Chicualacuala entram na UEM? Poucos ou nenhum. De Massangena? De Mabote? Não quero ir para o Niassa, lá no mato. Não têm direitos eles de entrar como os filhos que estão na cidade? Não é uma rasteira política perigosíssima esta?
A propósito da rasteira que tanto repisa, dizia-nos, há dias, em conversa, que se a Frelimo quiser se manter no poder por mais tempo, deve abolir os exames de admissão para o ensino superior. Quer se explicar melhor?
Resultado de imagem para universidade pedagógicaO exame de admissão, para mim, tem de ser repensado. Temos de correr urgentemente. Não se pode criar rancor no cidadão. Não digo população porque esse é um termo científico estúpido que já entrou na linguagem do meu partido. Digo no cidadão ou no povo moçambicano. Em nenhuma parte do mundo, hoje, o acesso ao conhecimento acaba da Escola Secundária. Hoje, a maior parte dos ingressos na UEM e na UP são jovens de 17 anos. O que tu fazes com um jovem de 17 anos (se não consegue admitir no exame de admissão)? Nem é maduro para ir à Defesa. Comecei a pensar que querem sacar a Frelimo do poder porque há uma gera- ção nova que vem aí, descontente. Tu tens uma geração enorme de descontentes que, com 17 anos, não tem acesso ao ensino. O que fazem? Meta-os no ensino e muda o ensino programático. Lutaram muito para eliminar o bacharelato. Porquê? O estudante entra com 17 anos e acaba por ficar 5 a 6 anos para tirar a licenciatura. Para quê?
Um exército de licenciados, isto é, de pessoas formadas, mas no desemprego, não pode também ser perigoso para o partido?
Eu sou contra os que produzem este pensamento a dizer que nós temos um exército de licenciados parasitas. Mentira.
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Mesmo pululando pelas ruas por falta de um emprego?
Ensina-lhes para terem emprego e fazer auto-emprego. Vamos discutir o conteúdo programático e não a estrutura.
Portanto, não preocupa o Professor o facto deste país estar a formar cada vez mais pessoas, mas em contrapartida, a crescer o número de desempregados formados?
Não. O desemprego é um problema que temos de discuti-lo política e tecnicamente. O ensino é só para ser só empregado? Então, vamos discutir o conteúdo programático, mas não o acesso ao ensino. Porquê temos medo de pegar no ensino e agitá-lo, não no acesso, mas no seu conteúdo?
Uma das medidas bastante criticadas do Professor Machile enquanto reitor da UP foi a introdução do chamado PAGE Planificação e Administração Escolar que, em alguns sectores, foi visto como uma vulgarização do ensino superior. Acha que foi mal entendido neste assunto?
Resultado de imagem para universidade pedagógicaNão entenderam nada e são medíocres. Desculpa ser severo com eles, mas são medíocres. Aquele Plano, virado também para o público, começou a ser preparado com 7 pessoas que nós formamos no Instituto Internacional de Planificação de Educação. Trabalhamos com a UNESCO, fomos para os Estados Unidos da América e para todo o lado, procurando saber o que é a formação de gestor e abrimos o curso PAGE. Quero dizer hoje que quase 90% dos administradores distritais saíram do PAGE ou IPOGEPE da UP. Quase 80% dos técnicos da Autoridade Tributária vêm do PAGE da UP. E foi o curso melhor organizado e serviu como matriz de todos os cursos de administração e gestão que hoje estão na UEM, na Politécnica, etc.
Com a chegada de Rogério Uthui, como reitor da UP, a PAGE, emprestando um vocábulo da economia agora em voga, foi “intervencionada”. Acha que ele também é medíocre?
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Não gostaria de responder o exercício do meu sucessor. Ele respondeu a uma necessidade também, mas ele não era da área da educação, ele veio da UEM para a UP e não sei o que veio da cabeça do presidente Guebuza para coloca-lo lá porque não era candidato e nós tínhamos pessoas. Agora, ele tem qualidades enormes. Eu é que mandei o Uthui para ir se formar na Bielorrússia. Tem qualidades enormes, agora, não é o que nós queríamos na educação, mas ele continuou com o projecto de expansão territorial da UP. Meteu outros cursos no meio ali. Mas aí eu digo que Uthui podia ter sido mais cuidadoso. Neste país somos ainda 40% ou mais analfabetos. Não acha que a educação ainda é extremamente prioritária? Em vez de dedicar 90% de atenção na resposta à exigência prioritária de formar professores, discutir o conteúdo programático da alfabetização, do primário, do ensino técnico, da universidade e dizer ao Governo que o caminho é este, começou a meter muitas coisas, que é a vocação dele: ele é um cientista natural, é um físico. Pode não ter errado, mas tirou a vocação da UP e compete aos que chegaram agora ir recuperar a vocação da UP porque é uma necessidade prioritária deste país.
A UP nasceu como uma instituição vocacionada, exclusivamente, à formação de professores, mas hoje questiona-se o P, alegadamente, porque de pedagógico a universidade já tem muito pouco por ter virado as atenções ao bussiness, ou seja, na oferta de cursos virados ao mercado. Como alguém que se bateu por uma UP verdadeiramente pedagógica, qual é o seu comentário?
Até porque podem formar em todas as áreas, mas a prioridade deve ser a sala de aulas. Isto é que Moçambique precisa.
Resultado de imagem para UNIVERSIDADE CATOLICA BEIRANeste momento está na mesa uma proposta para a divisão da UP pelas três regiões do país. Isso é bom olhando para os desafios actuais e do futuro?
Claro. Essa proposta nem é nova. É de Chissano, em 1998. O projecto é que a universidade deve ir ao distrito e não se pode fazer uma universidade para os distritos de Manica e de Tete, estando em Maputo. Até porque a meta é cada província com o seu reitor para ser responsável da expansão do ensino superior no distrito, que é o pólo de desenvolvimento. Em cada distrito há 12ª classe, então, a Universidade deve ir ter com os jovens e também é um contributo para a democracia. O ensino superior deve ir ao distrito e se a Frelimo demorar, há-de fazer o MDM.
Como assim?

Sim, no dia em que o MDM entrar no poder, há-de fazer isso porque não se vai contentar de ficar com o que fazemos. Sabe que um dos candidatos a último reitor da UP foi (Silvério) Ronguane do MDM que chegou a ficar em quarto lugar. Ou a Universidade vai ao distrito ou a Frelimo morre.(SAVANA)

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